Fotos: Reprodução / Divulgação

Thiago Viola

Criado em 06/04/22

Saúde mental e a relação com as telas, como o celular

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O caso de um menino de 13 anos da Paraíba que, no dia 19 de março, confessou ter matado a mãe e o irmão e ferido o pai com uma arma de fogo após ser proibido de usar o celular reacendeu o debate sobre os efeitos que smartphones, tablets e outros aparelhos eletrônicos podem ter na saúde mental de crianças e adolescentes.

Embora esse seja um episódio extremo, especialistas relatam que é possível notar um aumento nas queixas que chegam até os consultórios relacionadas ao uso excessivo de aparelhos eletrônicos. Faço parte de uma rede de pediatras e médicos de adolescentes e nunca vi tantos relatos de problemas causados pelo exagero na internet, seja nas redes sociais, seja pelos jogos on-line. 

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89% da população entre 9 e 17 anos está conectada na internet

Pesquisa feita em 2019 pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil dá uma ideia da popularidade das plataformas on-line entre os jovens do país. O levantamento aponta que 89% da população de 9 a 17 anos está conectada, isto é, 24,3 milhões de crianças e adolescentes. Desses, 95% (ou 23 milhões) usam o celular como o principal dispositivo para acessar sites e aplicativos.

Mas os números que mais preocupam os especialistas vêm a seguir: 43% dos jovens brasileiros já testemunharam episódios de discriminação on-line. E as meninas são as mais impactadas por conteúdos prejudiciais: 31% foram tratadas de forma ofensiva, 27% acabaram expostas à violência e 21% acessaram materiais sobre estratégias para ficar muito magra.

O levantamento ainda indica que um quarto dos jovens brasileiros consideram que ficam muito tempo conectados e não conseguem controlar muito bem esse período na frente das telas.

Por um lado, é preciso considerar que os celulares fazem parte da rotina e é muito difícil viver sem eles. Inclusive, quando utilizados na medida certa, esses dispositivos trazem mais benefícios que prejuízos. Afinal, eles também trazem coisas boas e fazem parte da vivência do que é ser jovem hoje em dia. 

Por outro, o exagero faz mal à saúde da mente e do corpo — e os efeitos podem ser ainda mais danosos nas duas primeiras décadas de vida. Como tudo, o problema está no excesso e na falta de controle adequado. 

Problema que vem de berço

Uma cena cada vez mais comum em shoppings centers, restaurantes e outros espaços públicos é a de um adulto colocando vídeos cheios de estímulos sonoros e visuais na frente de um bebê. A ideia é que a criança fique entretida enquanto os pais ou os tutores fazem uma determinada atividade, como almoçar ou comprar algo.

Os especialistas alertam sobre o exagero nessa exposição às telas, ainda mais numa idade tão precoce, pode prejudicar o desenvolvimento do recém-nascido.

“Quando os pais fornecem à criança um vídeo no celular ou no tablet, isso ativa as vias de processamento cerebral predominantemente passivas”, explica o médico Rodrigo Machado, do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

“E esse tipo de atividade ocupa um tempo em que o bebê poderia ser estimulado com atividades mais ativas, que aperfeiçoam a capacidade de coordenação motora e outras habilidades importantes nessa faixa etária.”

Uma cabeça em construção

Mas o problema não se limita à primeira infância: mesmo crianças um pouco mais velhas precisam ter o acesso limitado e supervisionado ao mundo digital, garantem os especialistas.

Para entender como o contato excessivo com as telas afeta o bem-estar mental dos jovens, é preciso considerar que o cérebro não nasce pronto: ele se desenvolve pouco a pouco ao longo das primeiras três décadas de vida. Algumas partes desse órgão vital só amadurecem completamente quando chegamos lá pelos 25 ou 30 anos.

É o caso, por exemplo, do córtex pré-frontal, responsável por controlar impulsos, fazer julgamentos, resolver problemas, manter a atenção e tomar decisões.

“É por isso que os adolescentes são mais impulsivos e têm esse comportamento típico de explorar e experimentar”, relaciona Machado. “Com o córtex pré-frontal ainda imaturo nessa faixa etária, ficamos mais propensos a buscar o prazer sem pensar em todas as consequências”, complementa.

Agora, imagine o que acontece quando esse cérebro em formação é exposto a um turbilhão de estímulos prazerosos, disponíveis facilmente em qualquer plataforma on-line.

Os estudos que analisam o funcionamento cerebral mostram que algumas regiões relacionadas à aceitação do convívio em sociedade ficam muito ativas quando os jovens usam as redes sociais.

Se um adolescente posta algum conteúdo, como uma foto ou um vídeo, e começa a receber respostas em formas de curtidas, comentários e compartilhamentos, isso estimula um circuito cerebral relacionado à sensação de prazer e recompensa.

E uma característica comum de todos os mamíferos, incluindo os seres humanos, é sempre querer mais. Quando somos expostos a uma fonte de prazer e sensações boas, vamos buscar aquilo de novo, numa frequência cada vez maior.

Ou seja: o retorno positivo que recebemos quando compartilhamos algo nas redes sociais é um incentivo para postarmos mais e mais, numa espécie de círculo vicioso marcado por uma busca constante por ser relevante e influente na internet.

Hoje em dia, já é consenso entre especialistas de que é possível criar uma dependência não apenas de substâncias químicas, mas também de comportamentos, como os jogos de azar ou o uso de dispositivos eletrônicos.

Do lado oposto, quando somos rejeitados, criticados ou cancelados nas mídias sociais, isso ativa circuitos cerebrais relacionados ao medo e à agressividade, o que pode ter proporções imensas no estado psicológico de um indivíduo mais jovem.

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Mais repercussões na cabeça (e no resto do corpo)

Além desse balanço delicado entre estímulos positivos e negativos, o cérebro de crianças e adolescentes pode ser impactado pelo uso excessivo dos celulares por outros meios.  “A luz emitida pelas telas inibe a produção da melatonina, um hormônio essencial para a indução do sono”, exemplifica Eisenstein. “E nós sabemos que os mais jovens precisam dormir, no mínimo, entre 9 e 10 horas por dia”, acrescenta.

Boas noites de sono são essenciais para o desenvolvimento do corpo e da mente. Se o descanso noturno não é adequado logo nesses primeiros anos de vida, as consequências à saúde podem perdurar por toda a vida.

“Quem não dorme bem têm mais transtornos de irritabilidade e de comportamento e pode apresentar dificuldades de aprendizagem”, lembra a pediatra.

A representante da SBP também chama a atenção para os efeitos que o uso prolongado desses aparelhos pode trazer para outras partes do corpo em desenvolvimento nas crianças e nos adolescentes.

“O excesso de telas pode levar à inatividade física, que está relacionada com sobrepeso e obesidade. Na direção oposta, o acesso a conteúdos sobre emagrecimento e a busca de um corpo idealizado aumenta o risco de transtornos alimentares”, lembra.

“Fora a maior frequência de problemas auditivos, pelo uso de fones de ouvido num volume alto, e de visão, pela falta de vivência em espaços abertos, que estimulam uma visão de longo alcance”, lista a pediatra.

Como desatar esse nó?

Considerando o fato de que os celulares são parte da rotina da vasta maioria das pessoas, é possível ter uma relação mais saudável com a tecnologia? Como identificar as situações em que o uso desses dispositivos ultrapassou os limites, especialmente na infância e na adolescência?

A primeira coisa é estabelecer limites. A criança e o adolescente precisam saber que podem entrar na internet por um determinado número de horas por dia. A recomendação de tempo varia de acordo com a faixa etária. Em diretrizes publicadas recentemente, a SBP indica que crianças menores de dois anos não tenham nenhum acesso às telas.

Dos três aos seis anos, é possível ofertar atividades em dispositivos eletrônicos por 30 minutos a uma hora, sempre com a supervisão de um adulto. E, entre o sexto e o décimo ano de vida, é possível ampliar um pouquinho esse limite, desde que exista um acompanhamento de alguém responsável.

É muito importante mesclar as atividades on-line com outros momentos de lazer, brincadeiras e conversas presenciais entre familiares e amigos. Já os pais de crianças menores não podem usar o celular ou o tablet como bengala, para deixar a criança entretida enquanto eles fazem outras atividades.

Sobre Thiago Viola:

Psicólogo Thiago Viola, do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul. Também é professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Sobre Thiago Viola:

Psicólogo Thiago Viola, do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul. Também é professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 06/04/22. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos

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