Por Nathalie Ayres
Criado em 27/12/23
Fotos: Reprodução / Divulgação
O número de crianças que acessam internet antes dos 6 anos dobrou no Brasil. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, lançada no final de outubro de 2023, mostrou que 24% das crianças entrevistadas relataram ter começado a se conectar à internet até os seis anos de vida, período considerado como primeira infância.
“Quanto mais conseguirmos segurar o acesso à internet para as crianças, melhor. Digo isso não só para a internet, mas para o próprio acesso a telas”, considera o neuropediatra Paulo Scatulin, médico na Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo. Isso porque os danos da exposição tão precoce são inúmeros e envolvem não só o desenvolvimento cognitivo dos pequenos, mas até mesmo sua visão e saúde física. Entenda melhor a seguir.
A internet faz parte do dia a dia e não dá para negar. No entanto, normalmente quanto mais tempo os pequenininhos passam diante dessa tela, menos estão interagindo diretamente com outras crianças: afinal assistir pessoas é diferente de conviver com elas! “O desenvolvimento socioemocional saudável de uma criança está intimamente relacionado com suas trocas sociais e com o brincar”, considera a psicóloga Cristina Borsari, do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo.
Para entender melhor, a psiquiatra Karina Barbi, especializada no atendimento adulto e infantil e médica do Vera Cruz Hospital em Campinas (SP), explica como o cérebro infantil está em um salto de desenvolvimento na primeira infantil, principalmente em seus dois primeiros anos de vida.
“É neste período, também, que a criança desenvolve suas habilidades sociais, de comunicação e interação, bem como as habilidades relacionadas às emoções”, descreve a especialista. Mas, se a criança passar a maior parte do tempo sozinha com uma tela, em vez de se relacionar com outras crianças, isso automaticamente vai interferir no seu ganho de habilidades sociais e emocionais.
Vimos isso claramente na pandemia, em que o contato dos pequenos com as outras crianças foi reduzido drasticamente: “ao que tudo indica existe um risco de problemas no desenvolvimento psicológico, como a dificuldade de socialização, o imediatismo – ou seja, não ter paciência ou não querer procurar as coisas –, problemas para conseguir raciocinar, além de falta de criatividade justamente por encontrar tudo muito pronto, mastigado”, elenca Scatulin.
Quem nunca viu uma criança com cinco ou seis anos ver uma câmera e pedir para as pessoas seguirem e deixarem seu like? Elas ainda nem sabem o que é uma “curtida” ou o “joinha no vídeo”, mas entendem que aquilo é importante. Com o tempo, percebem que isso está associado a ser apreciada, o que piora as coisas.
“O que significa o like? Muitas vezes o pensamento é de que ‘se eu não tenho likes, é porque as pessoas não gostam de mim’, algo irreal e que afeta até adultos, que dirá crianças!”, comenta a neurologista infantil Marcília Lima Martyn, do Fleury Medicina e Saúde. O resultado disso? A sensação de ansiedade, baixa autoestima e até mesmo uma possível depressão, a depender de como aquela criança reage a esta situação e expectativa.
Vemos hoje como as crianças e adolescentes cada vez mais valorizam o número de seguidores e as curtidas que recebem online. E os especialistas entrevistados concordam que o contato com esse tipo de linguagem desde cedo só aumenta a importância desse tipo de parâmetro.
Mas, infelizmente, os problemas não param por aí! Estudos novos indicam que crianças que ficam diante de telas por longos períodos e muito precocemente também podem ter problemas de visão. “Parece que essas crianças tem algumas questões de acomodamento visual, de miopia. Alguns estudos que estão saindo mostram isso, que até a visão da criança pode ser comprometida”, considera a neurologista Martyn.
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Além disso, pequenos que passam mais tempo em telas ficam proporcionalmente mais parados! E o sedentarismo infantil pode trazer uma obesidade mais precoce, com questões físicas e, pasme, emocionais também. “A criança ativa explora o mundo tanto fisicamente como emocionalmente e cognitivamente. Ao olhar o que há a sua volta, identificar uma formiga ou um grilo diferente, por exemplo, os adultos e crianças mais velhas têm a oportunidade de ensinar a menor sobre aquilo, interagir e responder perguntas”, enumera a especialista.
Há ainda relatos de que as telas possam influir no sono dos pequenos, em um período em que esses hábitos ainda estão se estabelecendo. Isso porque as luzes podem atrapalhar a produção os hormônios relacionados à vontade de ir dormir, que normalmente devem ser liberados quando sol se põe.
Com tantas questões e perigos, como devemos lidar com o tempo de tela dos pequenos? Todos os consensos existentes hoje – incluindo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras instituições importantes – concordam que antes dos dois anos é melhor não permitir que o pequeno fique diante de telas. Uma boa prática, inclusive, é deixar o pequeno de costas para a televisão, por exemplo, já que as imagens são altamente distrativas. E colocar um celular ou tablet nas mãos, nem pensar?
Depois dos dois anos, pode ser um pouco mais difícil, pois a criança começa a perceber que seus amiguinhos podem ou não usar as telas e pedir. E isso deve ser levado em conta: “A privação do uso também não é benéfica porque tudo aquilo que não se pode fazer gera uma curiosidade e a criança pode se sentir excluída do grupo social da escola por não ter acesso”, pondera a psicóloga Borsari, que conclui: “A dica mágica seria limitar o tempo e o tipo de atividade no uso de telas”.
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Antes de liberar as crianças pelo tempo recomendado, ou se você não prestava totalmente atenção nisso, tudo bem! É importante primeiro se perdoar e depois tomar medidas para corrigir isso. E vale, inclusive, pensar que as telas também possuem sua função, principalmente após os dois anos de idade.
De fato, por exemplo, os pequenos têm aprendido mais algumas questões mais básicas. “Quando se faz o exame neurológico evolutivo, espera-se que uma criança de 4 ou 5 anos saiba diferenciar cores (branco e preto e as cores primárias). Hoje em dia, uma criança com 1 ano e meio ou dois já fala cores primárias, formas geométricas e até mesmo letras”, compara o neuropediatra Scatulin.
Apesar de ele não enxergar isso como uma vantagem em curto prazo, acredita que só entenderemos isso daqui uns anos, conforme vermos o desenvolvimento real dessas crianças que passaram a vida exposta às redes. “Conseguiremos ver isso mais daqui 20 ou 30 anos, olhando como esses adultos vão se desenvolver. Mas a geração que nasceu a partir do início do século XXI já mostra em alguns aspectos uma perda de pontuação de interesses intelectuais em relação à geração dos pais”, reforça o especialista.
Outro ponto é o tipo de internet que você está utilizando. “Uma das evidências que vêm sendo demonstradas como benéficas para o desenvolvimento infantil é o uso do que chamamos de ‘Internet das Coisas’, que são objetos diversos conectados à internet, como alarmes, eletrodomésticos, carros, etc.”, destaca a psiquiatra Barbi.
Ela prossegue explicando como essa tecnologia pode ser benéfica em materiais didáticos. “Jogos que estimulem a criatividade e o desenvolvimento cognitivo podem ser utilizados tanto no ambiente escolar como em casa como uma boa ferramenta para o estímulo do desenvolvimento”, considera a especialista.
É importante estar atento ao que seu filho vê na internet, pois dependendo da idade, conversar nem sempre funciona. “Em função da imaturidade cognitiva e emocional, sobretudo nas crianças menores, é muito difícil conseguir que elas tenham capacidade para discernir o que é bom ou ruim para elas. Nesse caso, a limitação de sites através de bloqueios ainda é a melhor forma de evitar o contato com algo danoso. Já para as crianças maiores, as orientações objetivas podem ajudar, mas ainda assim a restrição a determinados sites é importante”, avalia a psiquiatra Karen Barbi.
No final das contas, o balanço positivo é substituir as telas e a internet pela sua presença! “Algo que muitos pais fazem, especialmente aqueles mais atarefados, é simplesmente dar o celular para a criança. Mas isso faz com que ela deixe de ter cada vez mais um contato familiar”, alerta o neurologista Flávio Sallem, neurocientista supervisor do Hospital Japonês Santa Cruz, em São Paulo, e membro da American Academy of Neurology.
De acordo com o especialista: “o importante é estar presente na vida da criança, demonstrar interesse na vida dela e mostrar para ela formas de utilizar a internet com programas lúdicos e infantis”, conclui. Ou seja, por mais que a rotina seja difícil, as telas jamais vão substituir o seu contato com seus filhos, tanto cognitivamente, quanto emocionalmente. Não deixe que elas substituam você!
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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 27/12/23. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos
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