Quando eu era adolescente, adorava um programa duplo: ir ao cinema com meu então namorado e um casal de amigos e depois discutir sobre o filme pelo restante da noite, numa mesa de bar. Mas não eram filmes escolhidos ao acaso; eram de Fellini, Bergman ou outros que traziam questões existenciais de forma não explícita. Então, beliscar um aperitivo por longas horas alimentava o corpo enquanto a discussão alimentava a alma.
Há tempos eu vinha com saudades do ritual e dizendo a meu neto, Victor, de 12 anos, que um dia eu gostaria de convidá-lo para isso. E na quinta-feira passada foi lançado o filme Extraordinário, que delicadamente aborda o bullying. Extraordinário é rico em personagens que retratam os diversos aspectos do problema, com meu louvor a duas crianças que do clássico papel de testemunhas, pressionadas pelos agressores, passam a amigos do Auggie (menino com deformação facial), dando-lhe a chance de sobreviver ao clima que lhe era tão hostil. Ambos demonstram força interior capaz de superar a opressão da intolerância à diversidade.
E após assistirmos juntos ao filme, fomos procurar um lugar para comer e conversar. Viramos as cenas do filme “de cabeça para baixo”, pelo olhar do Victor e chegamos à briga de forças. De um lado a pressão de grupo, com os agressores puxando os alunos para participar do bullying, e de outro a força interior de duas crianças com coragem de serem elas mesmas. Essas crianças tinham valores, como compaixão – aqueles que a mãe de um deles demonstra na cena em que pede ao filho para ajudar na integração do menino na escola.
Se assistir ao filme foi muito agradável, conversar sobre ele com alguém que amo foi extraordinário. Valores humanos não são aprendidos por pregação; valores são fruto de convívio com pais, professores e amigos que os transmitem por coerência entre palavras e atos. Valores podem ser aprendidos também, ou reforçados, por experimentação própria e por reflexão. Nesse ponto, o filme é matéria-prima de primeira para uma ótima conversa entre pais e filhos.