Marília Golfieri Angella
Criado em 04/05/21
No dia 21 de março é comemorado o Dia Mundial da Infância. A iniciativa para a criação desta data foi do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com o objetivo de conscientizar pais, responsáveis e governantes sobre a importância de garantir uma boa formação social, educacional e de valores para as crianças.
Diferentemente do Dia das Crianças, que possui um caráter mais comercial, o Dia Mundial da Infância representa um período de reflexão sobre o modo como estão sendo formados os “adultos de amanhã”.
Existem direitos da criança que embora estejam garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Constituição Federal, não são implementados como deveriam.
Veja abaixo:
A Constituição Federal garante, como direito fundamental, o acesso de todos à informação (artigo 5º, inciso XIV), direito que é também previsto no Estatuto da Criança e Adolescente de forma expressa (artigo 71). No cenário internacional, vemos que são seis as dimensões que compõem o Índice de Privações Múltiplas e Sobrepostas (IPMS, UNICEF/ONU), sendo a segunda delas composta pelo direito ao acesso à informação, o qual promove bem-estar social, espiritual e moral, além de contribuir positivamente para a saúde física e mental de crianças e adolescentes.
Em um mundo cada vez mais eletrônico e virtual, mesmo antes da instauração da pandemia da Covid-19, o acesso à internet já era considerado essencial para a garantia do direito à informação, também evidenciando outra carência fundamental, que é a falta de acesso à energia elétrica, situação que parte considerável das crianças e adolescentes enfrentam no Brasil.
Segundo relatório publicado em 2018 pelo UNICEF sobre “Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil”, 96% das crianças que moram em regiões sem eletricidade estão nas regiões Norte e Nordeste do país, sendo da raça negra a maior parte dessas crianças. A privação de informação, para a ONU, possui correlação com o nível de renda das famílias, de modo que crianças pobres possuem mais dificuldade de acesso, perpetuando ciclos de vulnerabilidade socioeconômica.
Além disso, o acesso à informação influencia no direito à educação e, embora ambos sejam garantidos de forma integral e prioritária pelo Estado às crianças e adolescentes brasileiros, na prática não vemos políticas públicas voltadas para sua garantida. Ainda mais em tempos de Covid-19, quando as aulas passaram a ser integralmente oferecidas em meio digital, crianças e adolescentes sem acesso à internet de qualidade sofreram os impactos da falta de internet e informação em sua educação.
Dessa forma, é possível observar que o acesso à informação é um direito fundamental garantido às crianças e adolescentes o qual impacta diretamente no acesso à educação. E, estando o primeiro ameaçado pela falta de políticas públicas estruturadas para sua garantia, crianças e adolescentes são tolhidas de seus direitos à informação, cultura e educação, em especial a partir da pandemia do Covid-19.
A água é elemento indispensável à vida e à saúde, que são dois direitos sociais garantidos pela nossa Constituição e pelo ECA, o qual dispõe que é dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, assegurar com absoluta prioridade os direitos à vida e à saúde, entre outros, de crianças e adolescentes.
Dentro deste aspecto, a falta de água e saneamento básico influencia diretamente na saúde e na higiene da criança, impedindo seu desenvolvimento de maneira saudável e completa. Especialmente para crianças abaixo de 05 anos, segundo dados do UNICEF (2018), a falta destes elementos pode ser fatal, tendo em vista que estas “podem morrer em consequência de doenças diarreicas ou infecciosas”.
Segundo o mesmo relatório da ONU, no Brasil, passava de 3,6 milhões o número de crianças que não tinha acesso ao abastecimento de água em casa, estando especialmente impactadas as regiões Norte e Nordeste. Além disso, duas em cada dez crianças moravam em casas sem tratamento adequado de esgoto.
Ou seja, grande parte das crianças brasileiras não possuem estrutura de abastecimento de água e saneamento básico, estando atingidas em sua maioria as crianças negras, que representam 70% do total. Deste modo, apesar de ser um direito garantido, na prática não o é.
Dentro do tema de moradia, observando a infância e juventude do nosso país, podemos observar dois recortes relevantes no tocante às privações da infância: a moradia acessível para crianças PCD em situação de vulnerabilidade e a moradia segura, garantida a crianças e adolescentes vítimas de violência, a partir do afastamento do agressor do lar comum.
Para essa análise, partimos da premissa de que a moradia é meio pelo qual os demais direitos sociais e fundamentais são garantidos, tais como educação, saúde, alimentação, lazer, dignidade etc.
O artigo 23, inciso IX, da Constituição Federal diz que é competência comum dos entes federativos promover programas de construção de moradias, para a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. A Lei Brasileira de Inclusão, por sua vez, trouxe significativos avanços para a moradia inclusiva no Brasil, em especial na elaboração de projetos que garantissem a acessibilidade para pessoas com deficiência.
Todavia, foi somente em 2018 que o Poder Público editou um Decreto que regulamenta a questão, garantindo a acessibilidade de moradias para pessoas com deficiência, sendo obrigatório que, a partir de 2020, as construtoras já oferecessem apartamentos acessíveis, conforme as demandas de cada comprador.
A mesma obrigatoriedade de moradias inclusivas e acessíveis deveria valer ao Poder Público para as pessoas inseridas dentro dos programas de moradia popular. No entanto, há famílias aguardando por moradia acessível há mais de 15 anos, como é o caso de Y*, que aguarda a concessão de um apartamento acessível desde seus 08 anos de idade, estando atualmente com 22. Quais direitos foram retirados de Y* durante sua infância que poderiam ter sido observados a partir de uma moradia adequada às suas necessidades?
Tal fato nos faz questionar se o direito à moradia de crianças e adolescentes está sendo garantido pelo Poder Público a fim de possibilitar os demais direitos básicos, em especial de crianças e adolescentes com deficiência que necessitam de moradia digna e acessível para manutenção de sua qualidade de vida.
No tocante à moradia segura, há que se observar que o ECA garante ao afastamento do agressor do lar comum quando verificada qualquer situação de violência contra a criança (ECA, artigo 130). Contudo, a prática mostra que quem é retirado do lar, em muitos casos, é a própria criança ou adolescente, que na maior parte das vezes são encaminhados a serviços de acolhimento.
Atualmente existem quase 31 mil crianças acolhidas no Brasil e em torno de 5 mil disponíveis para adoção, o que faz com que 26 mil crianças estejam acolhidas e ainda sem destituição do poder familiar, evidenciando situação de risco em suas moradias, que não se mostram seguras, como dita o ECA.
Segundo o artigo 34, parágrafo 1º, do ECA, a “inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional”, sempre observando o caráter temporário e excepcional da medida.
Isto porque o acolhimento familiar garante de forma mais efetiva os direitos básicos de crianças e adolescentes em risco, que precisam de apoio do Estado para sua proteção. O acolhimento institucional, por sua vez, por mais bem executado que seja, sempre implica privações às crianças em certa medida.
De acordo com os dados divulgados pelo CNJ no tocante ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), dos quase 5 mil programas de acolhimento disponíveis no Brasil, apenas 24% são instituições de acolhimento familiar. Em São Paulo, Estado que possui maior número de acolhimentos, apenas 12% do total é de acolhimento familiar.
Ou seja, apesar do ECA garantir o direito de que crianças e adolescentes em situação de risco sejam, de forma excepcional e temporária, colocados em acolhimento familiar, não há política pública estruturada que garanta tal direito.
É dever do Estado proteger crianças e adolescentes da exploração econômica e realização de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou dificultar o seu bem-estar, segundo a nossa Constituição e a Convenção sobre os Direitos da Criança. Todavia, os dados do “Disque 100” mostram que foram feitas 4.246 denúncias no ano de 2019 relacionadas à exploração do trabalho infantil.
Além disso, é importante lembrar que o Brasil foi condenado pela CIDH recentemente em 2020 relacionado a um caso ocorrido em 1998 em uma fábrica de fogos de artifício na Bahia. De acordo com o processo, havia crianças e adolescentes com idades entre 09 e 17 anos trabalhando no local quando houve uma grande explosão, matando diversas pessoas. O Brasil foi condenado não só por conta da falta de fiscalização no local, deixando que as condições de trabalho fossem desumanas e que o trabalho infantil fosse explorado de forma livre em local extremamente perigoso, como também pela violação de direitos das vítimas, que não tiveram acesso à justiça garantido em sua integralidade.
Segundo o relatório de bem-estar e privações do UNICEF, através dos dados publicados pelo IBGE em 2015, cerca de 2.529.750 de crianças no Brasil eram trabalhadoras infantis. Estando o trabalho infantil intimamente ligado ao abandono ou abstenção escolar, perpetua-se situação de vulnerabilidade também durante a fase adulta, o que se acentua quando feito o recorte de gênero e raça, pois as “meninas evidenciam maior carga de trabalho que os meninos” e as meninas negras superam a carga horária das meninas brancas.
Sobre Marília Golfieri Angella:
Sócia-fundadora do Marília Golfieri Angella – Advocacia familiar e social, especialista em direito de família, gênero e infância e juventude, e mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP.
Sobre Marília Golfieri Angella:
Sócia-fundadora do Marília Golfieri Angella – Advocacia familiar e social, especialista em direito de família, gênero e infância e juventude, e mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP.
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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 04/05/21. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos
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