Por Priscilla Negrão
Criado em 27/11/23
Luccas Neto será o novo apresentador infantil do SBT. Mais um Youtuber que como a influencer Virgínia, vai agora ocupar mais um canal na mídia, que nos últimos anos tem registrado uma tendência preocupante: a redução significativa dos programas infantis na TV aberta.
Antigamente, esses programas eram uma parte essencial da programação, oferecendo entretenimento para crianças e também servindo como um veículo para anúncios direcionados a esse público.
De acordo com o programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, essa diminuição pode ser atribuída a diversos fatores. Entre eles, a mudança nos hábitos de consumo de mídia das crianças, com a migração para plataformas digitais, como streaming e redes sociais.
Em 2020, a pesquisa “Consumo de Mídia das Crianças Brasileiras”, realizada pelo instituto Kantar IBOPE Media, revelou que 79% das crianças entre 4 e 11 anos já utilizavam a internet regularmente, o que impactou a audiência da TV aberta.
Além disso, questões regulatórias e a pressão para reduzir a exposição das crianças à publicidade desempenham um papel significativo nessa redução. Em 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) aprovou uma resolução que recomenda restrições à publicidade infantil, contribuindo para a diminuição dos programas voltados para crianças na TV aberta.
Esta redução levanta questões sobre como as crianças estão sendo afetadas pela diminuição do conteúdo infantil na TV aberta e como a publicidade voltada para elas está se adaptando a essa mudança.
A chegada de Luccas Neto traz à tona a discussão sobre publicidade infantil, e é muito importante que todos os pais e responsáveis entendam o que está em jogo e possam se posicionar e proteger as crianças.
No Brasil, a publicidade infantil é proibida desde 1990, por meio do código de defesa do consumidor. Mas um grupo de executivos do mercado audiovisual está buscando flexibilizar a atual legislação da publicidade infantil na TV, a fim de viabilizar investimentos na programação infantil.
Eles pretendem propor um debate sobre o assunto ao Ministro da Justiça, Flávio Dino, destacando que a legislação atual deixou as crianças expostas a produtos destinados a adultos. Além do Ministro, serão convidados deputados federais, senadores, partidos políticos, ECA, CONAR e o Instituto Alana para participar desse debate.
O objetivo do movimento é encontrar um equilíbrio entre a proteção das crianças e o crescimento do setor. Eles argumentam que a rigidez da legislação prejudicou a produção de conteúdo infantil e afastou marcas do mercado. Se a flexibilização não for viável, eles sugerem que o governo fomente a produção infantil por meio de editais, semelhante à lei Rouanet.
Além disso, a falta de produtos para o público infantil está impactando as TVs lineares, pois uma geração está crescendo sem o hábito de assistir à programação tradicional. A concorrência dos meios digitais, com menos fiscalização, também é vista como um problema. Os executivos acreditam que o ano de 2024 será crucial para a programação infantil na TV.
Xuxa, ex-apresentadora infantil, expressou sua concordância com a viabilização da publicidade infantil na TV, afirmando: “Não pode existir uma lei que não pode ter mais nada para criança”. Ela destacou que algumas leis tornaram difícil a comunicação direta com crianças na televisão, o que afetou a produção de programas infantis. Xuxa também mencionou que cada caso deve ser avaliado individualmente.
Se por um lado a indústria de comunicação alega que as restrições à publicidade infantil impactam negativamente sua receita e liberdade criativa, é preciso lembrar que já por trás das “boas intenções” muitos interesses comerciais. Flexibilizar essas regras possa aumentar a exposição das crianças a anúncios que podem influenciar mais ainda suas escolhas e comportamentos.
Segundo o Instituto Alana, uma organização que atua na defesa dos direitos da criança, em 2020, 67% das crianças brasileiras assistiram a vídeos no YouTube, onde a publicidade muitas vezes é direcionada a elas.
Isso ressalta a importância do debate sobre como a regulamentação da publicidade infantil pode proteger as crianças sem prejudicar a indústria de comunicação.
O movimento também buscará o envolvimento de deputados federais, senadores, partidos políticos, ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e o Instituto Alana.
Em diversos países, as leis são taxativas ao proibir a publicidade voltada para crianças, visando proteger esse público de práticas comerciais abusivas.
No Brasil, sua proibição no Brasil se baseia em diversos argumentos jurídicos, éticos e sociais. O PL 59216-7, datado de 07/06/2015, juntamente com outras leis e regulamentos, forma a base legal para essa proibição.
O artigo 227 da Constituição Federal do Brasil, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabelece que a sociedade deve proteger os direitos das crianças com prioridade e diz que a publicidade deve respeitar os valores éticos e sociais da infância, não podendo ser enganosa, abusiva ou que estimule a violência, o consumismo excessivo ou comportamentos prejudiciais.
O CDC categoriza a publicidade direcionada às crianças como abusiva, por se aproveitar da falta de julgamento e experiência deste público. A violação dessas normas pode resultar em multas e sanções.
A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) reforça essa visão, detalhando o conceito de abusividade de qualquer publicidade voltada ao público infantil.
A publicidade dirigida às crianças é considerada antiética, pois se aproveita da vulnerabilidade infantil para influenciar decisões de consumo familiar. Estudos mostram que as crianças influenciam significativamente nas compras familiares, o que coloca em questão a ética das empresas ao direcionar publicidade a um público tão influenciável e suscetível.
Além disso, as crianças brasileiras passam muitas horas diante da TV e da internet, muitas vezes sem supervisão adulta. Este cenário favorece a comunicação direta entre a publicidade e as crianças, sem a mediação necessária dos pais ou responsáveis.
A estratégia de “fator amolação” usada na publicidade infantil causa estresse dentro das famílias, pois as crianças são incentivadas a insistir repetidamente pelo produto anunciado. E a publicidade voltada para crianças pode estimular a erotização e a adultização precoce, além de possíveis consequências negativas como perda de autoestima e gravidez precoce.
Outro aspecto preocupante: a necessidade de consumo promovida pela publicidade pode levar à violência, especialmente entre crianças e adolescentes que buscam aceitação social através da posse de produtos anunciados.
A publicidade para crianças muitas vezes promove valores negativos, como a competição, o individualismo e o materialismo, contradizendo valores como solidariedade e respeito ao próximo.
A proibição da publicidade infantil no Brasil é sustentada por uma série de leis e regulamentos que visam proteger os direitos e o desenvolvimento saudável das crianças. Essas leis reconhecem a vulnerabilidade das crianças frente às estratégias de marketing e buscam assegurar que seus interesses sejam sempre priorizados.
Por isso, a iniciativa de criar uma portaria para regulamentar a publicidade infantil, já proibida há 30 anos, é preocupante, pois pode enfraquecer a proteção integral da criança frente às pressões do mercado.
É crucial entender os interesses envolvidos quando se fala de liberar a publicidade infantil no Brasil.
Em maio deste ano 2023 a SENACON e o CONAR se reuniram para discutir a regulamentação de plataformas e a necessidade de regulamentar a publicidade infantil para garantir que as mensagens dirigidas a crianças sejam éticas e respeitem seus direitos.
As discussões envolvem a necessidade de regulamentar anúncios direcionados a crianças em plataformas online, bem como promover a cooperação técnica entre órgãos governamentais e a indústria publicitária.
Até o momento, não temos informações de como anda o projeto e o que aconteceu depois dessa reunião. O que sabemos é que a pressão da sociedade para que as grandes empresas da internet sejam regulamentadas e responsabilizadas por suas decisões e estratégias é cada vez maior.
Essa pressão, por exemplo, fez a Meta desistir de explorar o mercado infantil via aplicativo, cancelando o projeto da versão infantil do Facebook Messenger.
Em 2020, a Fundação PROCON-SP notificou empresas de tecnologia, incluindo Google, Facebook e TikTok, a prestar informações sobre como lidam com a coleta de dados de crianças em suas plataformas.
Em 2020, o Procon-SP multou o Burger King em R$ 350 mil por conta da campanha que promovia o combo infantil King Jr. juntamente com brindes da marca Emoji em 2018.
Apesar da legislação proibir, falta fiscalização para coibir os abusos.Para se ter ideia, em 2020, houve um anúncio voltado para crianças a cada três minutos, em média, durante a programação infantil em canais de TV por assinatura.
A prática ilegal no Brasil foi revelada pelo estudo “Publicidade Infantil na TV Paga: Monitoramento 2020”, realizado pelo Criança e Consumo, que monitorou os quatro canais infantis de maior audiência no Brasil – Cartoon Network, Discovery Kids, Gloob e Nickelodeon.
Nesse período houve um aumento significativo de 282% na publicidade infantil em setembro de 2020, em comparação aos meses anteriores. Além disso, foi observado um crescimento expressivo de publicidade infantil digital promovendo conteúdos online dos próprios canais, quatro vezes maior em 2020 do que em 2019.
Este aumento está relacionado à maior interação entre televisão e internet, e foi potencializado pela pandemia de COVID-19, que levou a um aumento no uso de telas por crianças.
O envolvimento de crianças e adolescentes em redes sociais e outras atividades online tem crescido exponencialmente. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), revelou que 95% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos de todo o país acessam a internet, o que corresponde a mais de 25,1 milhões de pessoas nessa faixa etária. E mais: 24% registrou o primeiro acesso à internet antes dos seis anos de idade.
Segundo o estudo, 50% dos adolescentes pediu que seus pais ou responsáveis comprasse algum produto que viu na internet. Oito em cada dez entrevistados (84% do total) também relatou que ficou com vontade de ter algum produto após vê-lo na internet e 73% ficaram chateados por não poder comprar algum produto.
Para 78% desses usuários, as empresas pagam pessoas para usarem seus produtos nos vídeos e conteúdos que publicam na internet. Seis em cada dez adolescentes entre 11 e 17 anos (59% do total) também disseram ter assistido a vídeos de pessoas mostrando como usar esse produto ou abrindo a embalagem desse produto.
O que chama a atenção é que o número desses usuários que relatam ter visto propaganda na web é alto, considerando que a propaganda direcionada a crianças e adolescentes até 12 anos, em quaisquer meios de comunicação ou espaços de convivência, é ilegal.
A sofisticação do marketing e da publicidade voltados para o público infantil tem aumentado significativamente. Uma estratégia amplamente utilizada é a inclusão de personagens de desenhos animados e influenciadores mirins em anúncios.
Dados do Instituto Ipsos de 2020 revelam que 60% das crianças entre 4 e 11 anos reconhecem personagens animados em propagandas, evidenciando como essa associação pode impactar as escolhas infantis e impulsionar vendas.
Outra abordagem comum é o neuromarketing, que explora a compreensão da psicologia infantil para gerar anúncios altamente persuasivos. Estudos do Brain Research Institute apontam que as crianças reagem mais intensamente a anúncios emocionais do que os adultos, uma característica frequentemente explorada pelos publicitários.
Publicidade infantil na televisão, internet e em qualquer outro espaço de convivência das crianças é uma prática abusiva e ilegal. Então, devemos estar sempre atentos para novas e já conhecidas práticas antiéticas que algumas empresas anunciantes. Como cidadão, você pode denunciar essas campanhas clicando aqui.
Outra iniciativa importante é o Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA), liderada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), focada em combater a publicidade ilegal de alimentos no Brasil.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca a correlação entre publicidade de alimentos não saudáveis e a obesidade infantil, evidenciando a necessidade de regulamentação nesse setor. O incentivo ao consumo desmedido desde a infância agrava problemas de sustentabilidade global, indo contra a educação para valores como responsabilidade e respeito ao meio ambiente.
O OPA surgiu em resposta à crescente preocupação com a epidemia de obesidade e o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e câncer), que têm uma relação direta com a má alimentação. O observatório destaca a importância desse tema, considerando que a publicidade de alimentos tem um grande impacto em nossos hábitos e comportamentos alimentares.
Um dos principais problemas abordados pelo OPA é a forma como a publicidade de alimentos promove produtos não saudáveis, muitas vezes ultraprocessados, e utiliza estratégias desleais. Estas incluem a comunicação direta com crianças, o uso de brindes, promessas falsas de benefícios à saúde e bem-estar, e outras táticas que incentivam o consumismo e afetam negativamente a saúde. Saiba mais sobre a OPA aqui.
O tema foi abordado no webinar: “Publicidade Infantil é Ilegal SIM!”, em 11 de abril de 2023, e você pode assistir aqui. Além do debate informativo, o evento também marcou o lançamento do guia “Publicidade Infantil é Ilegal no Brasil”, que você pode conferir aqui.
Além disso, você pode apoiar o manifesto “Publicidade Infantil Já é Proibida” , liderado por várias entidades ligadas à infância e que foi enviado pela ACT, IDEC, Instituto Alana e ProconsBrasil para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), como reação à consulta pública que o órgão abriu em 2020. Confira aqui os desdobramentos.
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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 27/11/23. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos
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