Por Priscilla Negrão
Criado em 18/03/25
Fotos: Reprodução / Divulgação
Por mais que os celulares tenham invadido o cotidiano e ocupado um espaço preocupante – e frequentemente não recomendado – na infância, as crianças ainda brincam, e muito, com brinquedos tradicionais. Esse foi o recado cristalino da ABRIN 2025, a maior feira de brinquedos da América Latina, realizada entre 9 e 12 de março no Expo Center Norte, em São Paulo.
Com 1.500 lançamentos e um mercado que projeta crescimento de 4% este ano, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), o evento revelou algumas tendências interessantes e outras bem preocupantes.
Como uma profissional que cobre a feira e o mercado de brinquedos há mais de 20 anos, vi tendências claras despontarem:
O plástico reinou absoluto nos corredores da Abrin 2025, presente em mais de 95% dos brinquedos expostos. Opções em madeira e tecidos sustentáveis surgiram, mas foram ofuscadas pela versatilidade e baixo custo do material dominante.
Isso levanta um debate urgente sobre sustentabilidade, especialmente num contexto global que exige alternativas ecológicas.
O recorte de gênero também se manteve firme. Bonecas e um mundo de cozinhas e ferros de passar cor-de-rosa para meninas e carros de bombeiro, dinossauros e ferramentas para meninos. É impressionante como o setor insiste nessa segmentação, mesmo com avanços nas discussões sobre igualdade.
Os corredores da ABRIN 2025 pareciam um tributo a Lilo & Stitch. Pelúcias, bonecos articulados, blocos de montar e acessórios do personagem inundaram os estandes, aquecidos pelo lançamento do novo filme da franquia em abril.
Segundo a Circana, os brinquedos licenciados cresceram 9% globalmente nos últimos três anos, atingindo 29% das vendas no Brasil em 2024 – a maior fatia já registrada.
“Com mais de 20 blockbusters previstos para 2025, como Super Mario Bros 2, Capitão América e Five Nights at Freddy’s, o segmento deve superar esse desempenho”, projetou Célia Bastos, diretora executiva da Circana no Brasil, no painel “Os novos perfis de venda de brinquedos no Brasil”. Marcas como Paw Patrol, Rainbocorns Squishmallows e Lilo & Stitch foram destacadas como motores desse sucesso.
Surpreendentemente, as capivaras roubaram a cena. Esses roedores brasileiros apareceram em pelúcias – que cresceram 12% em faturamento em 2024 (R$ 245 milhões) e acumulam alta de 53% desde 2021 –, miniaturas e jogos.
Nos últimos anos, as capivaras conquistaram a internet e se tornaram um verdadeiro fenômeno cultural, especialmente entre as crianças. No YouTube, playlists com memes virais como “Top 5 Capybara” e “Capybara in different languages meme”, ampliaram ainda mais sua popularidade.
Além disso, músicas virais, como “Capivara, capivara”, tornaram o animal ainda mais presente no imaginário infantil. Esse fenômeno digital rapidamente se transformou em um grande mercado de brinquedos e produtos temáticos.
Brinquedos de capivara fazem sucesso devido ao seu design fofo e amigável, com formatos arredondados e macios que agradam bastante às crianças. Esse movimento segue uma tendência do mercado infantil de destacar animais inusitados, como o bicho-preguiça e a lhama, que já tiveram seus momentos de popularidade.
Embora o Brasil tenha um papel central nessa trend, a capivara também está na moda fora do país. No Japão, por exemplo, os animais exóticos e “relaxantes” sempre tiveram espaço na cultura pop, e a capivara se encaixa perfeitamente nessa estética.
O personagem “Kapibara-san”, uma capivara estilizada lançada em 2005, já era um sucesso no país, e a recente viralização do animal reforçou ainda mais sua popularidade. Além disso, memes e vídeos de capivaras viralizaram nos Estados Unidos e na Europa, especialmente nas redes sociais, onde são associados a uma “vibe tranquila e zen”.
Os blocos de montar foram um dos grandes destaques da ABRIN 2025, refletindo um sucesso global liderado pela Lego. Em 2024, a empresa dinamarquesa consolidou-se como a maior fabricante de brinquedos do mundo, com vendas recordes de US$ 10,8 bilhões (cerca de R$ 58 bilhões), superando gigantes como Mattel e Hasbro.
No Brasil, o segmento cresceu 26% em faturamento, alcançando R$ 335 milhões, com destaque para blocos de carros esportivos e Fórmula 1, que dispararam 150%. Esse crescimento reflete uma tendência de consumo que combina criatividade e acessibilidade.
A Lego ampliou seu portfólio com linhas licenciadas como Star Wars e Harry Potter, mas também investiu em versões mais simples e baratas, alinhadas ao “precinho” brasileiro.
Na ABRIN, vi lançamentos de blocos inspirados em temas locais, como miniaturas de capivaras e cenários urbanos brasileiros, sugerindo que o segmento pode ganhar ainda mais tração ao dialogar com a cultura nacional. “Os blocos estimulam a imaginação e têm apelo entre kidults, o que explica seu boom”, analisou Célia Bastos.
A maquiagem infantil consolidou-se como categoria na ABRIN 2025. Kits com sombras e batons hipoalergênicos, regulados pelo Inmetro como brinquedos, apareceram em estandes. Seria apenas uma brincadeira de imitação ou pressão estética precoce? Para a indústria, é lucro; para especialistas, um alerta: o crescimento reflete a influência da beleza na cultura infantil, mas levanta debates éticos.
A queda nas vendas de bonecas tem sido um fenômeno notável tanto no Brasil quanto globalmente, desafiando um dos pilares históricos do mercado de brinquedos. No Brasil, segundo a Circana, as bonecas ainda lideraram o faturamento em 2024 com R$ 905 milhões, mas registraram uma redução de 6% em relação a 2023, um declínio que se repete ano após ano.
Globalmente, a categoria também enfrenta retração, com o setor de brinquedos caindo 0,6% em faturamento em 2024, e as bonecas, tradicionalmente dominadas por marcas como Barbie e Baby Alive, perdendo terreno para segmentos mais dinâmicos como blocos de montar (+26% no Brasil, R$ 335 milhões) e colecionáveis (+51%).
A importância das bonecas para o mercado de brinquedos é inegável – elas não são apenas uma categoria líder em faturamento, mas também um símbolo cultural que moldou gerações, especialmente entre meninas, reforçando narrativas de cuidado e criatividade.
Historicamente, bonecas como Barbie (que ainda responde por uma fatia significativa do segmento) sustentaram a indústria, representando em 2024 cerca de 9,3% do faturamento total do setor no Brasil (R$ 9,701 bilhões), mesmo com a queda. No mundo, elas já foram a espinha dorsal de gigantes como a Mattel, que, apesar de perder o posto de maior fabricante para a Lego (US$ 10,8 bilhões em vendas globais), depende delas para competir.
Contudo, a queda nas vendas pode indicar uma transformação mais profunda: as crianças, influenciadas por redes sociais e brincadeiras mais versáteis, estão migrando para brinquedos que oferecem maior interação ou neutralidade de gênero, como blocos e pelúcias.
Uma tendência global que ganhou força na ABRIN 2025 é o avanço dos “kidults” – adultos que compram brinquedos para si. Nos EUA, adultos superaram crianças em idade pré-escolar em compras de brinquedos em 2024, com destaque para colecionáveis (Pokémon, LEGO) e itens nostálgicos.
No Brasil, os kidults impulsionaram a alta de 51% em faturamento de colecionáveis em 2024. “Tudo o que puder ser licenciado, repetido, colecionável, está valendo”, disse Célia. Isso comprova que o brincar transcende a infância – e o mercado agradece.
Com 47 milhões de crianças e adolescentes, o Brasil responde por 15% dos gastos globais em brinquedos, mas ainda tem espaço para crescer. O aumento de 6% no volume vendido mostra um público interessado em brincar – desde que os preços sejam acessíveis.
Brinquedos com precos de até R$50 foram o grande motor do mercado em 2024. Itens como Hot Wheels (R$ 17), pelúcias pequenas (R$ 20-24) e kits de montar (R$ 42) dominaram as vendas.
No Norte e Nordeste, a média é de apenas um brinquedo por criança ao ano, contra quatro no Sudeste. A diferença em relação a outros países é grande: nos EUA, cada criança ganhou, em média, 40 brinquedos em 2024, enquanto no Brasil foram apenas dois – um avanço em relação a 2023, quando era apenas um.
“Muitas crianças nunca ganharam um brinquedo na vida. Precisamos encontrar formas de reduzir custos sem perder a magia”, afirmou Synésio Costa, na ABRIN 2025.
Mesmo com queda de 6%, as bonecas lideraram o faturamento, movimentando R$ 905 milhões, impulsionadas por Barbie e versões licenciadas de Lilo & Stitch. Em seguida, vieram os veículos (R$ 675 milhões, +10%), dominados pelos Hot Wheels, que custam entre R$ 17 e R$ 24.
Os jogos e quebra-cabeças renderam R$ 545 milhões (+7%), destacando Super Massa e Aquabeads. Já os blocos de montar cresceram 26%, faturando R$ 335 milhões, com destaque para a LEGO. As pelúcias arrecadaram R$ 245 milhões (+12%), impulsionadas pelo sucesso das capivaras e dos Squishmallows.
No total, brinquedos de até R$ 50 representaram 55% das unidades vendidas, movimentando R$ 1 bilhão.
Seis categorias cresceram em 2024:
Por outro lado, houve queda em:
O banimento de celulares nas escolas, impactando 47 milhões de estudantes, é o impulso que o mundo analógico precisava – mas quem vai tirar o celular das mãos das crianças em casa? Nós, pais e mães, estamos na linha de frente dessa batalha contra as telas, em um Brasil onde os brinquedos ainda são segregados por gênero e a infância parece ser encurtada cada vez mais.
A infância não precisa de brinquedos caros; ela precisa de presença. O brinquedo é apenas o gatilho – o verdadeiro tesouro está no ato de brincar, naquele instante em que um pote se transforma em castelo ou uma tampa vira nave espacial.
Então, larguem o celular, entrem na brincadeira – com ou sem brinquedos. Como sempre alertamos aqui no SP Crianças, a infância não espera pelos adultos. A ciência já consegue prolongar a vida adulta até os 100 anos, mas a infância continua sendo apenas 12 anos preciosos. Não desperdice.
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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 18/03/25. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos
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