Por Priscilla Negrão
Criado em 24/06/20
Fotos: Reprodução / Divulgação
O impacto da pandemia do coronavírus na educação brasileira está sendo devastador para todos os envolvidos – pais, alunos, professores e estabelecimentos de ensino. Hoje avançamos em mais um capítulo dessa história: foi anunciado o plano de retorno das aulas presenciais em São Paulo, previsto para 8 de setembro. Diante desse prazo, muitas famílias que possuem filhos em escolas particulares e estão enfrentando problemas financeiros começam a questionar: “Posso tirar meu filho da escola e matriculá-lo somente em 2021?”.
É fato que a crise econômica, a pandemia, as demissões e redução de salário estão levando pais a considerar a troca da escola, para economizar, ou até tirar da escola, da creche ou da escolinha – movimento que já está acontecendo no segmento da educação infantil, idade onde o ensino remoto é inviável.
Mas a lei permite? Você pode cancelar a matrícula e deixar seu filho em casa até a pandemia passar? E o homeschooling, o famoso ensino domiciliar? É permitido?
De um lado, pais, mães, responsáveis, professores, escolas e estudantes, ansiosos pela volta às aulas presenciais, não apenas pela questão pedagógica, não apenas pela necessidade de interação que as crianças precisam, mas principalmente pelo papel social e econômico que a escola tem em países pobres como o Brasil: muitos pais seguem trabalhando ou estão voltando ao trabalho e dependem da escola para poder garantir seu sustento.
Por outro lado, sabemos que a volta das aulas presenciais representa um grande risco, o coronavírus segue circulando e sem vacina os pais não terão tranquilidade e segurança para enviar seus filhos para a escola, e nem os professores e profissionais de ensino terão segurança para trabalhar.
Esse cenário vale tanto para o setor público quando o setor privado. No caso dos pais que matricularam os filhos nas escolas privadas, com o acirramento da crise, muitos perderam o emprego, estão impedidos de trabalhar ou tiveram redução nos seus rendimentos, e pagar as mensalidades está cada dia mais difícil. Dessa forma os pais estão cogitando a possibilidade de tirar seus filhos da escola e retornar apenas em 2021. Mas pode?
Se seu filho tiver entre 4 e 17 anos e estiver sem matrícula em uma escola, os pais estão cometendo crime de abandono intelectual, previsto no Código Penal.
Pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), é obrigatória a matrícula de todas as crianças brasileiras na escola a partir dos 4 anos até os 17 anos de idade. A matrícula cabe aos pais e responsáveis e as redes municipais e estaduais de ensino tiveram até 2016 para se adequar e acolher esses alunos.
Até 1996 a idade mínima era de 6 anos, em 2013 houve uma alteração na LDB através da Lei no 12.796, de 4 de abril de 2013, antecipando a entrada das crianças na escola com 4 anos de idade. Diz a lei: “Art. 6° – É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade”.
Essa lei entrou em vigor em 2016, com a reestruturação da educação básica, que foi organizada em pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. Antes disso, o ensino fundamental era a única etapa escolar obrigatória.
De acordo com o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os pais devem matricular os filhos na escola e garantir sua frequência. Caso contrário cometem crime de abandono intelectual e a pena é de detenção de 15 dias a um mês ou multa de 3 a 20 salários mínimos, conforme o artigo 246 do Código Penal: “Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar. Pena -detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa”.
Os pais podem ser denunciados ao Conselho Tutelar por qualquer pessoa, de forma anônima, pela internet, pelo aplicativo Proteja Brasil, nas Polícias Civil e Militar, nos serviços de disque-denúncia (Disque 100, nacional; Disque 181, estadual; e Disque 156, municipal), diretamente no Conselho Tutelar mais próximo do local onde se dá a ocorrência (a lista de SP está aqui) e no Balcão de atendimento do Ministério Público.
Criados em 1990 pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), os conselhos tutelares são órgãos públicos independentes, vinculados ao Poder Executivo Municipal, mas não submisso à prefeitura.
A função do conselho tutelar é zelar pelos direitos da população de até 17 anos. Eles trabalham em parceria com as Varas da Infância e da Juventude e com as Secretarias de Saúde, Educação e Assistência Social.
No caso da denúncia de evasão escolar, após a orientação e procedimentos praticados pelo Conselho Tutelar, se a criança não for matriculada na escola, a família será denunciada junto a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e responderá processo judicial.
Nos casos mais graves, os pais podem até perder a guarda dos filhos. Contudo, a postura do Ministério Público e dos juízes de Infância e Juventude tem sido a de conscientizar os pais antes de aplicar qualquer punição.
A escola é obrigada a informar toda desmatrícula ou transferência de alunos à Secretaria de Educação e ao Conselho Tutelar. Cada estudante tem um ID único no sistema e pelo cruzamento de dados eles sabem se o aluno está matriculado na rede, seja pública ou privada.
Essa comunicação que a escola faz não gera uma visita automática do conselho tutelar, até pelo volume, visto que o Brasil tem muitas crianças fora da escola, mas ajuda o conselho a avaliar e analisar quais casos são críticos e precisam ser abordados primeiro.
De acordo com a Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar), nenhuma escola particular pode se negar a desmatricular o aluno nem obrigar os pais a terem uma vaga comprovada no setor público para conceder os documentos de transferência, até porque há escassez de vagas.
O que fazer?
Sabemos que na prática, a ideia de tirar os filhos da escola é mais um desabafo do que uma decisão consciente, mas não podemos negar que a crise econômica provocada pela pandemia afetou seriamente a capacidade financeira das famílias. Nesse cenário temos dois caminhos: negociar com a escola ou mudar para a rede pública.
Para quem está tentando negociar, o Procon-SP orienta que as escolas particulares devem oferecer um porcentual de desconto – a ser definido pelos próprios colégios, sob pena de multa. Confira aqui mais orientações.
Vale lembrar que a lei garante que estudantes inadimplentes não sofram sanções pedagógicas. Então o aluno terá direito a terminar o ano letivo, mas não poderá fazer a rematrícula.
Para quem não consegue mais manter o pagamento das mensalidades mesmo com descontos ou adiamento de parcelas que algumas escolas estão oferecendo, a opção é transferir o aluno para a rede pública de ensino.
Mesmo assim, há famílias que não querem transferir a matrícula para a escola pública e preferem manter as crianças em casa este ano – vale lembrar que o “homeschooling” , ou seja, a educação escolar em casa, não é uma modalidade reconhecida e nem autorizada no Brasil.
Apesar de todas as leis e sanções já citadas, a fiscalização é falha, faltam vagas e muitas crianças estão fora da escola – no Fundamental e no Ensino Médio chega a mais de 50% em muitos Estados – e os pais desses menores não recebem nenhuma sanção.
O que podemos concluir disso tudo?
Na prática, vemos que a legislação relativa ao abandono intelectual de menores é pouco efetiva, e a realidade mostra que manter o aluno matriculado na escola acaba sendo uma decisão ética e pessoal de cada família, quando consciente da lei e dos riscos envolvidos.
No caso da Educação infantil, que na pandemia tem sido o segmento com maior perda de alunos, sabemos que pela lei deixar crianças a partir de 4 anos sem matrícula é crime de abandono intelectual, contudo, como o Estado não consegue prover vagas para todas as crianças de até 5 anos, na prática ele fica em uma situação delicada: como punir os pais por evasão escolar se ele não oferece a vaga?
Com a pandemia, o Conselho tutelar deverá tratar o tema da evasão escolar causada pelo crise do coronavírus de forma especial e com mais flexibilidade, conforme apuramos junto a diversos conselheiros tutelares de SP. Todos foram unânimes em dizer que é muito difícil algum pai ser sancionado por tirar os filhos da escola neste momento, principalmente no caso dos menores de 5 anos, e reforçaram que para que o conselho ser acionado precisa ser registrada uma denúncia, que pode ser feita por qualquer pessoa de forma anônima ou até pela escola, se ela achar que é um caso para denúncia. De qualquer forma, ao tomar sua decisão, é importante considerar não só os aspectos financeiros, mas principalmente os aspectos pedagógicos, e se possível, permitir que as crianças concluam o ano letivo na escola em que foram matriculadas este ano.
Caso a família opte por tirar o aluno da escola privada, reforçamos que o recomendado é fazer a matrícula na escola pública, para que a criança não fique fora do sistema educacional, visto que o ano letivo não foi cancelado.
Migração de alunos do setor público para o setor privado
De acordo com o Censo Escolar 2019, o setor privado tem 9.134.785 alunos, enquanto 38.739.461 alunos estão no setor público, ou seja, das 47,9 milhões de matrículas registradas nas 180,6 mil escolas de educação básica do Brasil em 2019, 19,1% foram feitas no setor privado e 80,9% no setor público (estadual, federal e municipal).
No Estado de SP foram registradas 10 milhões de matrículas na educação básica em 2019, sendo 24% no setor privado (2.403.782 alunos) e 76% no setor público (dos quais 39,3% dos alunos estão no sistema municipal).
A participação do setor privado x público varia de acordo com a etapa de ensino. No Estado de SP, por exemplo, na Educação infantil 83% dos alunos estuda no sistema público (64,5% nas creches municipais e 18,5% nas creches conveniadas) e 16,9% está no ensino privado.
Quando olhamos os dados do ensino fundamental, tanto anos iniciais quando finais, a participação do ensino privado se mantém estável, em torno de 20% dos alunos, mas no Ensino Médio, cai para apenas 16,7%. As escolas estaduais formam mais de 81% dos alunos no ensino médio em SP.
Mas esse cenário pode mudar muito em 2021. Na verdade, os números da Secretaria de Educação de São Paulo (Seduc-SP) mostram que a evasão dos alunos do setor privado para a rede pública de ensino já começou: foram 2.388 transferências de alunos da rede privada para colégios estaduais em abril e maio, ante 219 no mesmo período do ano passado.
O número de alunos transferidos da rede particular para a estadual cresceu mais de dez vezes em abril e maio deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior.
Outro exemplo desse movimento: no Paraná, segundo dados da secretaria estadual de educação de lá, mais de 8,4 mil alunos da rede privada migraram para a rede estadual desde março.
Matrículas abertas nas escolas públicas
Para facilitar a migração e também por conta da restrição ao atendimento presencial por conta da pandemia, pela primeira vez a Seduc-SP permitiu que as matrículas para alunos do ensino Fundamental e Médio sejam feitas pela internet (acesse aqui para fazer a pré-inscrição).
Essa pré-inscrição serve para ingressar na rede estadual ainda este ano, em 2020, e aceita migração de aluno que esteja vindo da rede privada ou vindo da rede de outros estados. O processo para matrícula na rede pública a partir de 2021 ainda não está aberto.
Feita a pré-inscrição, uma escola irá realizar a análise e validação dos documentos solicitados (não necessariamente a escola definida como posto de inscrição será a escola em que o estudante será matriculado).
A matrícula é realizada, ainda em 2020, em escola próxima à residência do estudante, com o tipo de ensino e vaga disponível.
O processo de transferência entre escolas da rede pública está suspenso, nesse momento. Essa atividade será retomada após retorno das aulas presenciais.
Quebradeira no setor privado: colapso no sistema de educação
O cenário é preocupante e pode gerar um colapso no sistema de educação nacional, com a migração de parte dos alunos para a rede pública, é grande o risco de não ter vaga e estrutura para todos.
As escolas da primeira infância foram as primeiras a sentir o baque, visto que pela LDB crianças até 3 anos não são obrigadas a estar na escola.
Com renda reduzida, pais em casa, sem perspectiva de retorno das atividades presenciais, falta de descontos significativos, falhas de comunicação e principalmente a generalizada insatisfação com o ensino remoto da educação infantil tem levado muitos pais desmatricular seus filhos das creches, berçários e escolinhas infantis.
Escolas da cidade de São Paulo relatam perda de 10% a 25% da faixa etária de 0 a 3 anos. Por outro lado, dados do Sieeesp, entidade que representa o ensino particular em São Paulo, mostram que a fuga de alunos ocorreu até nas escolas que demonstraram mais flexibilidade e deram descontos significativos.
A perda de alunos no setor privado já gira em torno de 10%, e em 95% dos estabelecimentos já houve o cancelamento de matrículas, conforme revelou a pesquisa “Megatendências – As Escolas Brasileiras no Contexto do Coronavírus”, que corrobora a tendência de migração que a Seduc-SP já constatou.
Essa pesquisa foi realizada em 83 municípios do país pela Explora, empresa especializada em análises para a educação básica, para a União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte.
A tendência de migração pode se acentuar ao longo dos meses se a crise continuar aguda. E com a pandemia, o desafio é maior, visto que a rede pública precisa não apenas absorver alunos, mas planejar considerando o tamanho das turmas, visto o protocolo de distanciamento social que deverá ser obedecido na volta às aulas presencial.
Para se ter ideia, de acordo com a pesquisa, de 30% a 50% das escolas particulares de pequeno e médio porte do Brasil estão sob o risco de falência em razão da pandemia do novo coronavírus – e elas representam quase 80% da rede privada de ensino do Brasil.
No site da entidade há um “obituário”, onde são listadas as escolas vítimas da Covid-19. Entre as que fecharam neste período de confinamento estão o colégio Stella Maris, de Guarulhos (Grande SP), o Integral e o Nautas, de Campinas (interior de SP), a escola Maxwell, de Brasília, e a Organização Educacional Evolutivo, de Fortaleza (CE).
Segundo o levantamento, os principais fatores que estão levaram essas e outras escolas privadas ao obituário estão:
Apesar de a dificuldade do ensino remoto no infantil e nos primeiros anos do fundamental ser maior, a perda de receita foi equivalente nos diferentes níveis. Tanto as escolas de ensino infantil quanto as que têm infantil e fundamental registraram 54% tiveram queda, similar às que oferecem também o ensino médio, 50%.
Para tentar sobreviver ao furacão, as escolas tentam reduzir gastos, e o principal custo desse segmento é equipe. Algumas aderiram à medida provisória de redução de salários, mas por conta do ensino remoto os professores seguem trabalhando em tempo integral – aulas online podem demandar até mais tempo dos profissionais, visto que eles precisam gravar, editar, refazer.
A União e o Sieesp alegam que sem auxílio governamental, a migração de alunos do setor privado aumentará a pressão sobre a rede pública de ensino e os entes federativos, por sua vez, podem ser alvo de inquéritos e ações civis públicas movidas pelos Ministérios Públicos, caso não ofertem as vagas necessárias para atender a demanda.
Para se ter ideia, no ano passado o setor privado atendeu 809.509 mil alunos no Estado de SP em creches e pré escolas, enquanto 1.460.119 estudaram na rede pública, de acordo com dados do Censo Escolar SP 2019.
Considerando historicamente, a educação infantil é um dos segmentos com mais dificuldades para abrir vagas e provavelmente não conseguirá absorver toda a demanda oriunda do setor privado, o que torna ainda mais urgente uma política governamental de socorro ao setor.
Por isso a União, que conta com a participação de 1.500 instituições de ensino e de cerca de 17 mil gestores escolares e educadores, pretende encaminhará ao Ministério da Educação e às secretarias estaduais de Educação um manifesto pela sobrevivência do setor.
Entre as reivindicações estão a implantação de linhas de crédito, a redução da carga tributária, o aumento de prazo para a quitação de impostos e a criação do voucher educacional (ajuda de custo dada pelo governo para ser usada no pagamento das mensalidades).
Universidades
Não são apenas as escolas de educação básica que estão sofrendo com a pandemia: de acordo com o levantamento do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo (Semesp), a taxa de inadimplência nas instituições de ensino superior privado do País aumentou 72% entre março e abril. Já a taxa de estudantes que trancaram a matrícula ou desistiram do curso subiu 32,5% no mês de abril em relação a abril de 2019.
O setor conta com a ampliação do Fies de 100 mil vagas para 500 mil, ampliando o benefício que hoje é dado apenas para novos alunos, para os inadimplentes, e a criação de linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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Atenção: Todas as informações são de responsabilidade dos organizadores do evento e estão sujeitas a modificações sem prévio aviso. As informações foram checadas pela equipe de reportagem do São Paulo para Crianças em 24/06/20. Antes de sair de casa, confirme os dados com o destino, para evitar imprevistos
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